É Amor.

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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Os fantasmas




Os fantasmas 

Esta coisa de escrever crónicas “é um jogo permanente entre o estilo e a 
substância”. Uma luta entre “o deboche estilístico” do gozo da escrita e “a frieza 
analítica” do pensamento do cronista. Por isso, enquanto cidadão, só posso ver 
este governo como uma verdadeira praga bíblica que caiu sobre um povo que o 
não merecia. Mas, enquanto cronista, encaro‐ o como uma dádiva dos céus, um 
maná dos deuses, “um harém de metáforas”, uma verdadeira girândola de 
piruetas estilísticas. 

Tomemos como exemplo o ministro Gaspar. Licenciado e doutorado em 
Economia, fez parte da carreira em Bruxelas onde foi director do Departamento 
de Estudos do BCE. Por cá, passou pelo Banco de Portugal, foi chefe de gabinete 
de Miguel Beleza e colaborador de Braga de Macedo. É o actual ministro das 
Finanças. Pois bem. O cronista olha para este “talento” e que vê nele? Um 
retardado mental? Uma rábula com olheiras? Um pantomineiro idiota? Não me 
compete, enquanto cidadão, dar a resposta. Mas não posso deixar de referir a 
reacção ministerial à manifestação de 15 de Setembro que, repito, adjectivava os 
governantes onde se inclui o soporífero Gaspar, como “gatunos, mafiosos, 
carteiristas, chulos, chupistas, vigaristas, filhos da puta”. Pois bem. Gaspar 
afirmou na Assembleia da República que o povo português, este mesmo povo 
português que assim se referia ao seu governo, “revelou‐se o melhor povo do 
mundo e o melhor activo de Portugal”! Assumpção autocrítica de alguém que 
também é capaz de, lucidamente, se entender, por exemplo, como um “chulo” do 
país? Incapacidade congénita de interpretar o designativo metafórico de “filhos 
da puta”? Não me parece. Parece‐ me sim um exercício de cinismo, sarcástico e 
obsceno, de quem se está simplesmente “a cagar” para o povo que protesta. 



A ser 
assim, julgo como perfeitamente adequado repetir aqui uma passagem de um 
texto em forma de requerimento “poético” de 1934. Assim: “A Nação confiou‐
lhe os seus destinos?... / Então, comprima, aperte os intestinos. / Se lhe escapar 
um traque, não se importe… / Quem sabe se o cheirá‐ lo nos dá sorte? / Quantos 
porão as suas esperanças / Num traque do ministro das Finanças?... / E quem 
viver aflito, sem recursos / Já não distingue os traques dos discursos.” 

Provavelmente o sr. ministro desconhecerá a história daquele gajo que era tão 
feio, tão feio, que os gases andavam sempre num vaivém constante para cima e 
para baixo, sem saber se sair pela boca se pelo ânus, dado que os dois orifícios 
esteticamente se confundiam. Pois bem. O sr. ministro é o primeiro, honra lhe 
seja concedida, que já confunde os traques com os discursos. Os seus. Desta vez, 
o traque saiu‐lhe pelo local de onde deveria ter saído o discurso! Ou seja e 
desculpar‐me‐ão a grosseria linguística, em vez de falar, “cagou‐se”. Para o povo 
português. Lamentavelmente. 

Outro exemplar destes políticos que fazem as delícias de um cronista é Cavaco 
Silva. Cavaco está politicamente senil. Soletra umas solenidades de circunstância, 
meia‐dúzia de banalidades e, limitado intelectualmente como é, permanece 
“amarrado à âncora da sua ignorância”. Só neste contexto se compreende o 
espanto expresso publicamente com “o sorriso das vacas”, as lamúrias por uma 
reforma insuficiente de 10 mil euros mensais, a constante repetição do “estou 
muito preocupado” e outros lugares‐comuns que fazem deste parolo de 
Boliqueime uma fotocópia histórica de Américo Tomás, o almirante de Salazar. Já 
o escrevi aqui várias vezes. Na cabeça de Cavaco reina um vácuo absoluto. Pelo 
que, quando fala, balbucia algumas baboseiras lapalicianas reveladoras de quem 
não pode falar do mundo complexo em que vivemos com a inteligência de um 
homem de Estado. Simplesmente porque não a tem. Cavaco é uma irrelevância 
de quem nada há a esperar, a não ser afirmações como a recentemente proferida 
aquando das comemorações do 5 de Outubro de que “o futuro são os jovens 
deste país”! Pudera! Cavaco não surpreenderia ninguém se subscrevesse por 
exemplo a afirmação do Tomás ao referir‐ se à promulgação de um qualquer 
despacho número cem dizendo que lhe fora dado esse número “não por acaso 
mas porque ele vem não sequência de outros noventa e nove anteriores…” Tal e 
qual. 

Termino esta crónica socorrendo‐ me da adaptação feliz de um aforismo do 
comendador Marques de Correia e que diz assim: “Faz de Gaspar um novo 
Salazar, faz de Cavaco um novo Tomás e canta ó tempo volta para trás”. É que só 
falta mesmo isso. Que o tempo volte para trás. Porque Salazar e Tomás já os 
temos por cá. 

P.S.: Permitam‐me a assumpção da mea culpa. Critiquei aqui violentamente José 
Sócrates. Mantenho o que disse. Mas hoje, comparando‐o com esse garotelho 
sem qualquer arcaboiço para governar chamado Passos Coelho, reconheço que é 
como comparar merda com pudim. Para Sócrates, obviamente, a metáfora do 
pudim. Sinceramente, nunca pensei ter de escrever isto.


Luís Manuel Cunha 
Professor 
In “Jornal de Barcelos” de 10.10.2012 

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